Como a IA impacta na Eng Clínica e otimiza as instituições de saúde
Site dedicado a divulgar iniciativas de IA em engenharia clínica, criado por Anne D'Antona, com foco em mercado, inovação e saúde digital.
Anne Stegmann D'Antona
9/23/20257 min read


As General Purpose Technologies (GPTs) mudaram o curso da humanidade: da máquina a vapor à eletrificação e aos computadores, cada onda tecnológica redesenhou economias e profissões. A inteligência artificial generativa integra esse grupo e avança em ritmo acelerado — com saltos de desempenho, maior contexto e crescente adoção no trabalho — configurando-se como uma plataforma transversal para produtividade, inovação e qualidade assistencial [1].
A saúde já vive essa transição. Em hospitais, clínicas e laboratórios, a IA deixa de ser promessa e passa a integrar processos críticos: manutenção de equipamentos, governança de dados, priorização de chamados, apoio à decisão e automação documental. Na Engenharia Clínica (EC), o efeito prático é sair do modo reativo para uma gestão orientada por dados, com foco em disponibilidade, segurança do paciente e custo total de propriedade.
Manutenção preditiva e redução do downtime
A base da manutenção preditiva moderna está na fusão da IoMT (Internet das Coisas Médicas) com algoritmos de machine learning. Equipamentos com sensores produzem um fluxo contínuo de dados (temperatura, vibração, horas de uso, códigos de erro). Os modelos analisam esses sinais em tempo quase real para identificar padrões sutis que antecedem falhas — permitindo intervenções quando necessário, porém antes da parada inesperada. Casos de mercado já mostram o valor: sistemas preditivos aliados a monitoramento remoto e ciência de dados antecipam eventos como vazamentos de hélio em RM e bolhas de ar em TC, mitigando quenchs e interrupções graves [2]. Em paralelo, evidências de setores com ativos críticos (manufatura/logística) indicam ganhos de eficiência na casa de 20% e redução de custos de manutenção de até 25%, resultados aplicáveis ao ambiente hospitalar.
Para a EC, a mudança é concreta: priorizações mais assertivas, MTBF maior, menor backlog e planos de manutenção baseados em risco. O efeito sistêmico aparece na disponibilidade de modalidades críticas (ventiladores, RM, TC) e na continuidade da assistência.
Gestão e utilização de ativos com rastreamento inteligente (RTLS)
Localizar milhares de ativos móveis (bombas, monitores, desfibriladores) é um desafio diário. RTLS modernos — operando com BLE (Bluetooth Low Energy, versão do Bluetooth desenhada para consumir bem menos energia do que o Bluetooth “clássico”, mantendo comunicação sem fio confiável em distâncias curtas e médias) e a infraestrutura Wi-Fi existente — entregam visibilidade de localização, status (em uso, disponível, limpeza) e padrões de utilização. A camada de IA adiciona contexto e automação: ao detectar que uma bomba etiquetada entrou na “área suja”, o sistema pode abrir automaticamente uma ordem no CMMS (Computerized Maintenance Management System — sistema informatizado que centraliza inventário de equipamentos, ordens de serviço, planos de manutenção e calibração, peças/estoque, SLAs e indicadores de desempenho) para limpeza/inspeção. Esse encadeamento reduz atrasos e retorna o equipamento ao ciclo assistencial mais rápido.
Com dados de uso agregados, o hospital otimiza níveis de estoque, identifica ativos subutilizados, reduz retenção indevida de equipamentos por setores e corta gastos com locações desnecessárias. O resultado une o mundo físico (posição) e digital (histórico/estado) — que alimenta manutenção preditiva e decisões de investimento. Estudos de campo também associam RTLS à redução do tempo de busca por equipamentos e à aceleração de rotinas de manutenção preventiva[2].
Processamento de Linguagem Natural para transformar dados em decisões
Os sistemas informatizados de gestão da manutenção (CMMS — Computerized Maintenance Management System) armazenam uma grande quantidade de informações sobre o parque tecnológico hospitalar. Porém, muito desse conteúdo aparece em formato de texto livre, como as descrições que usuários registram ao abrir um chamado ou as anotações feitas por técnicos durante um reparo. Esse material, embora rico, costuma ficar pouco explorado porque não segue um padrão estruturado.
É aqui que entra o Processamento de Linguagem Natural (PLN), um ramo da inteligência artificial voltado para fazer com que computadores “entendam” e analisem textos escritos. Ao aplicar técnicas de PLN, esses registros desestruturados podem ser classificados, organizados e transformados em informações úteis. Por exemplo, um sistema pode identificar automaticamente os chamados mais urgentes, reconhecer padrões de falhas recorrentes ou até sugerir a equipe mais adequada para atender cada problema.
Na prática, isso significa que a Engenharia Clínica deixa de depender apenas de recomendações genéricas dos fabricantes e passa a basear decisões em evidências reais do próprio ambiente hospitalar. Com dados estruturados a partir dos textos, é possível ajustar intervalos de manutenção preventiva, definir listas de peças críticas e planejar substituições de equipamentos com maior precisão. Assim, o hospital ganha eficiência e aumenta a confiabilidade de seus ativos.
O potencial da visão computacional na Engenharia Clínica
A visão computacional é um campo da inteligência artificial que permite que computadores “enxerguem” imagens e vídeos, identificando padrões e objetos de forma automática. Essa tecnologia já é amplamente utilizada na indústria de dispositivos médicos para inspecionar produtos em linhas de montagem, detectando defeitos com velocidade e precisão muito superiores às humanas.
No ambiente hospitalar, o potencial é igualmente transformador. A visão computacional pode ser aplicada na inspeção de equipamentos quando chegam ao hospital, na verificação da integridade de componentes durante manutenções e até no monitoramento do ambiente físico, observando cabos, etiquetas e conexões. Essas análises visuais geram evidências que podem ser integradas ao sistema informatizado de gestão da manutenção (CMMS), apoiando relatórios de qualidade e históricos de conformidade.
Um dos algoritmos mais usados nesse campo é o YOLO (You Only Look Once), que funciona como um detector de objetos em tempo real. Ele consegue analisar uma imagem ou vídeo de forma instantânea, destacando e classificando diferentes itens visuais — por exemplo, identificar se um equipamento possui uma etiqueta danificada ou se há sinais de desgaste em um componente.
Esse avanço também traz novas responsabilidades para a Engenharia Clínica. Já não se trata apenas de garantir que o hardware está calibrado ou funcionando; é preciso considerar a qualidade e confiabilidade dos dados e algoritmos que suportam essas análises. Nesse sentido, surge a norma IEEE P2801, que estabelece diretrizes para assegurar a qualidade de conjuntos de dados utilizados em aplicações de inteligência artificial em saúde. Ela destaca a importância de curadoria, rastreabilidade e versionamento dos dados usados no treinamento de algoritmos, evitando vieses e assegurando resultados consistentes.
Nossas experiências com GPTs especializadas (TECSAÚDE)
Os LLMs (Large Language Models) são modelos de inteligência artificial treinados em grandes volumes de texto, capazes de compreender e gerar linguagem natural. No ChatGPT, existe a possibilidade de criar versões personalizadas desses modelos, chamadas de GPTs, que funcionam como assistentes especializados. Cada GPT pode ser configurado com instruções específicas, referências técnicas e até documentos internos, permitindo que se torne mais adequado a uma determinada tarefa.
Na TECSAÚDE, temos aplicado essa funcionalidade para simplificar atividades complexas. Um exemplo é o “Licitações by TECSAÚDE”, um GPT treinado para analisar editais e comparar propostas técnicas. Ele interpreta requisitos normativos, avalia critérios e gera pareceres estruturados, o que traz mais agilidade, padronização e consistência às análises realizadas pelas Engenharias Clínicas, sendo essencial a permanência de um Engenheiro na “ponta” para validar o parecer gerado.
O mesmo princípio pode ser aplicado a outras atividades da Engenharia Clínica. Modelos personalizados podem apoiar a avaliação de laudos de calibração, a geração de relatórios de manutenção ou o desenvolvimento de treinamentos técnicos baseados em normas. Isso libera profissionais para focarem em decisões estratégicas, enquanto a inteligência artificial cuida das tarefas repetitivas e documentais.
O Engenheiro Clínico como protagonista na seleção de tecnologias
A Engenharia Clínica ocupa uma posição estratégica na transformação digital da saúde. Cabe à equipe atuar como protagonista na seleção e integração de tecnologias, avaliando desde a interoperabilidade entre equipamentos e sistemas (com padrões como HL7 e FHIR) até a segurança da informação e os requisitos de integração com plataformas já existentes, como CMMS, RTLS e prontuário eletrônico.
Esse papel vai além de validar equipamentos: exige que o Engenheiro Clínico saiba identificar novas tecnologias e softwares que possam ser incorporados de forma segura ao ecossistema hospitalar, garantindo que tragam ganhos reais de eficiência e segurança ao paciente. Para isso, é fundamental compreender os recursos de IA disponíveis, mapear vantagens e riscos, e definir critérios objetivos de adoção.
Outro aspecto essencial é o acompanhamento contínuo da evolução regulatória — tanto em normas técnicas de equipamentos médicos quanto em diretrizes específicas para softwares baseados em IA. Ao mesmo tempo, a EC precisa expandir seu conhecimento para novas áreas, como cibersegurança e gestão de dados clínicos, e intensificar sua integração com setores como TI, qualidade e equipes assistenciais.
Com esse olhar multidisciplinar, o Engenheiro Clínico deixa de ser apenas um gestor de equipamentos para se tornar um facilitador da inovação tecnológica no hospital, assegurando que cada nova solução seja incorporada com responsabilidade, conformidade regulatória e foco no paciente.
E o futuro?
A convergência entre inteligência artificial e Engenharia Clínica já está em curso e redefine como instituições gerem seus ativos, planejam manutenções e integram tecnologias. Mais do que adotar ferramentas digitais, trata-se de criar uma cultura de decisão baseada em dados, com processos mais ágeis, seguros e centrados no paciente.
O papel da Engenharia Clínica deve ser fundamental nesse caminho: identificar oportunidades, avaliar riscos, garantir a interoperabilidade e acompanhar a evolução regulatória e tecnológica. Ao assumir essa posição de protagonismo, o Engenheiro Clínico torna-se peça-chave para que a transformação digital em saúde aconteça de forma estruturada e sustentável.
O futuro da gestão hospitalar passa, necessariamente, por uma Engenharia Clínica preparada para unir técnica, inovação e responsabilidade. Com o apoio da IA e de modelos especializados, as instituições de saúde podem alcançar maior eficiência, reduzir custos e, sobretudo, oferecer um cuidado mais seguro e de qualidade.
Referências
[1] STACKPOLE, Beth. The impact of generative AI as a general-purpose technology. MIT Sloan – Ideas Made to Matter, Cambridge, 06 ago. 2024. Disponível em: https://mitsloan.mit.edu/ideas-made-to-matter/impact-generative-ai-a-general-purpose-technology . Acesso em: 19 ago. 2025.
[2] TRIMEDX. Using predictive work systems to anticipate medical equipment failure. 24x7 Magazine (via TRIMEDX), 03 maio 2024. Disponível em: https://www.trimedx.com/blog/using-predictive-work-systems-to-anticipate-medical-equipment-failure . Acesso em: 19 ago. 2025.
[3] WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Ethics and governance of artificial intelligence for health. Genebra: WHO, 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240029200. Acesso em: 19 ago. 2025.
[4] U.S. FOOD AND DRUG ADMINISTRATION (FDA). FDA releases Artificial Intelligence/Machine Learning (AI/ML)-Based Software as a Medical Device Action Plan. Press announcement. Silver Spring, MD, 12 jan. 2021. Disponível em: https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-releases-artificial-intelligencemachine-learning-action-plan . Acesso em: 19 ago. 2025.
[5] LEHMANN, Sebastian; et al. Large language models for extraction of OPS-codes from operative reports in meningioma surgery. Acta Neurochirurgica, v. 167, 2025. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC12313760/ . Acesso em: 19 ago. 2025.
