Nova Lei e a Viabilidade da Incorporação Tecnológica no SUS: Muito Além da Compra de Equipamentos

A recente Lei nº 15.210, de 16 de setembro de 2025, ao alterar a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), introduziu um novo dispositivo, o Art. 44-A, que reforça uma mudança necessária e estratégica no processo de aquisição de equipamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Anne Stegmann D'Antona

9/23/20253 min read

A recente Lei nº 15.210, de 16 de setembro de 2025, ao alterar a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), introduziu um novo dispositivo, o Art. 44-A, que reforça uma mudança necessária e estratégica no processo de aquisição de equipamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS).

“O processo licitatório para compra de equipamento destinado a procedimento diagnóstico ou terapêutico [...] deve levar em consideração o seu adequado aproveitamento ao longo de sua vida útil.”

Essa nova exigência representa mais do que uma formalidade jurídica, como bem pontuou a colega ALZINETE CUNHA . É um chamado à adoção de práticas mais maduras de análise de viabilidade tecnológica, que considerem não apenas o preço de aquisição, mas também o custo total de propriedade, a infraestrutura disponível e que deve também considerar a interoperabilidade com outros sistemas, a cibersegurança e o nível de capacitação existente nas instituições de saúde.

E vale ressaltar: embora a lei se aplique ao SUS, essas boas práticas são igualmente estratégicas para o setor privado. Clínicas e hospitais particulares que não avaliam adequadamente esses fatores enfrentam os mesmos riscos de subutilização, aumento de custos, falhas operacionais e vulnerabilidades de segurança.

Incorporação com base em evidência, valor e sustentabilidade

A decisão de incorporar um equipamento no ambiente hospitalar público deve seguir uma análise criteriosa de viabilidade técnico-operacional, econômica e assistencial. A nova lei impulsiona essa abordagem ao exigir que o edital de licitação inclua:

  • A demonstração da capacidade instalada para operação do equipamento, ou

  • Um plano de atendimento aos requisitos necessários à operação.

Isso evita que tecnologias de alto custo sejam subutilizadas por falta de recursos humanos capacitados, infraestrutura elétrica ou lógica, espaço físico, protocolos de uso ou integração com fluxos clínicos.

Na prática, trata-se de perguntar:

  • O equipamento será efetivamente utilizado?

  • Existe equipe treinada para operá-lo e manter sua performance?

  • Está previsto o plano de manutenção e calibração de acordo com normas técnicas?

  • Ele se conecta com o prontuário eletrônico ou outros sistemas existentes?

Questões como essas são tão críticas para hospitais públicos quanto para grupos privados de saúde que desejam garantir eficiência operacional e retorno sobre o investimento.

A importância do caráter multidisciplinar na decisão

A incorporação tecnológica segura e eficiente não pode mais ser um processo conduzido exclusivamente por áreas de compras ou engenharia clínica. A tomada de decisão precisa envolver uma equipe multidisciplinar, com participação de:

  • Engenharia clínica, para avaliação de ciclo de vida, manutenção e integração com o parque existente;

  • Tecnologia da informação, para garantir interoperabilidade e avaliar riscos de cibersegurança;

  • Gestores clínicos e assistenciais, que validam a real necessidade e os impactos nos fluxos de trabalho;

  • Especialistas em regulação e conformidade, para adequação às normativas da ANVISA e demais órgãos;

  • Economistas da saúde ou analistas de HTA (Health Technology Assessment), para estudar custo-efetividade e custo-utilidade;

  • Setor de compras e jurídico, para alinhamento com requisitos legais e contratuais.

Esse olhar integrado é igualmente relevante em instituições privadas, que muitas vezes enfrentam pressões de mercado e precisam equilibrar qualidade assistencial com sustentabilidade financeira.

Interoperabilidade e Cibersegurança: Novos critérios de elegibilidade

Do ponto de vista técnico, a interoperabilidade já deveria ser critério obrigatório na análise de viabilidade. Sistemas isolados geram silos de dados, duplicidade de esforços e comprometem a continuidade assistencial. A nova lei, ao exigir o "aproveitamento ao longo da vida útil", reforça a necessidade de que os equipamentos se integrem ao ecossistema digital da instituição.

A cibersegurança também precisa ser parte da análise inicial. Equipamentos de imagem, monitores multiparamétricos e bombas de infusão são, hoje, alvos potenciais de ataques cibernéticos. Uma avaliação de risco, combinada com políticas de segurança da informação, deve estar presente no plano de operação exigido pela lei. Isso inclui:

  • Atualizações de firmware garantidas pelo fabricante;

  • Criptografia dos dados;

  • Controle de acesso por autenticação;

  • Conformidade com normas como a IEC 80001 e as diretrizes nacionais para dispositivos médicos conectados.

Hospitais privados, por exemplo, têm sido alvo crescente de ataques de ransomware, o que reforça que esse cuidado não é exclusivo do setor público.

A vida útil não é só tempo — é valor entregue

Ao falar em “vida útil”, o Art. 44-A não se refere apenas ao número de anos que um equipamento funciona, mas sim ao valor que ele entrega ao longo desse tempo. A manutenção preventiva e corretiva, a calibração regular e a substituição de peças com rastreabilidade são essenciais para garantir performance, conformidade regulatória e segurança do paciente.

Isso significa olhar para o ciclo completo da tecnologia, desde a aquisição até a desincorporação, sempre assegurando o aproveitamento máximo do investimento e o impacto positivo no cuidado. Esse raciocínio, que agora se torna exigência legal no SUS, já é diferencial competitivo para hospitais e redes privadas.